Saúde Pública em Coruche
No início do século XIX o conhecimento e prática médica eram insuficientes face à doença. O diagnóstico era muitas vezes difícil e ambíguo e os tratamentos disponíveis ainda muito incipientes. A maioria dos clínicos seguia as teorias clássicas sobre o funcionamento do corpo e o entendimento da doença, baseados em Hipócrates e na doutrina dos humores, pelo que era constante o recurso a sangrias, purgas, clisteres e vomitórios. Por sua vez, a maioria da população vivia em condições muito precárias: alimentação insuficiente e com pouca qualidade, habitações deficientes, exíguas e insalubres, a falta de higiene pública e individual, o excesso de horas de um trabalho extenuante e sob condições severas, nos campos ou nas pequenas indústrias. Assim sendo, a permanente incerteza face à doença fazia parte do quotidiano e o poder dizimador das epidemias colocava a descoberto a fragilidade da vida humana e a incapacidade da ciência médica.
Todavia, a partir da segunda metade do século XIX houve uma verdadeira revolução no campo das ciências, onde se incluem as ciências biomédicas, o que permitiu avanços extraordinários no exercício médico e melhorias significativas, e quase imediatas, na vida da população. A crescente preocupação das autoridades com a saúde pública e a higiene, individual e coletiva, resultam igualmente dos progressos alcançados pelas ciências.
A definição de saúde pública é abrangente e totalizadora, envolvendo a multiplicidade da rotina quotidiana. Nela estão incluídos os cuidados preventivos e curativos, mas também o controlo da salubridade e da assistência.
Ao nível local, a saúde pública era uma das competências da câmara municipal e do administrador do concelho. À primeira estavam reservadas funções executivas e ao segundo, enquanto representante do poder central, a obrigação de fiscalizar as medidas de salubridade.
Era portanto à Câmara Municipal que cabia a limpeza e manutenção das ruas, garantir o abastecimento da população com água potável, por meio das fontes públicas, assegurar o escoamento dos esgotos, eliminar eventuais focos de infeção, construir e manter os cemitérios, afiançar a higiene e qualidade das carnes no açougue municipal, publicar editais e códigos de posturas, por forma a garantir a salubridade e as boas práticas higiénicas.
Além disso, ao contrário dos dias de hoje, a câmara deveria contratar médicos, os chamados facultativos municipais ou médicos do partido. Remunerados anualmente pela autarquia, exerciam clínica em consultas domiciliárias pagas, sendo estas gratuitas apenas para os comprovadamente pobres. Era também dever seu o exame médico dos expostos, mães subsidiadas, recrutas e amas de leite e de seco, assim como prestar consultoria à câmara municipal e ao administrador do concelho nas questões de higiene e saúde pública.
Quanto à possibilidade de recorrer a um hospital em caso de doença, apenas os pobres e indigentes o faziam. Os hospitais eram considerados instituições de caridade que prestavam cuidados de saúde e, por esta razão, o último recurso de qualquer pessoa, quando nada mais interessava, nem mesmo o estatuto social. Quem possuísse o mínimo de recursos pagava a um médico ou, em alternativa, procurava a cura junto da vasta rede de prestadores de cuidados de saúde paralelos, recorrendo frequentemente a mezinhas e tratamentos caseiros.
À semelhança do resto do país, também em Coruche os dois hospitais existentes eram propriedade das misericórdias locais, neste caso de Coruche e da Erra. Depois de 1883 o hospital de Coruche passou a ser o único do concelho, funcionando no edifício construído de raiz em 1798, adossado à igreja da irmandade. As transformações de ordem vária, fruto da evolução do tempo, que operaram ao longo deste período até ao final do século XX, tiveram também lugar no hospital da Misericórdia de Coruche. Só na década de 90 do século XX a matriz dos cuidados de saúde ali oferecidos deixou de ser para todos, quando foi construído o Centro de Saúde de Coruche. Mas o edifício do antigo hospital mantém no presente a prestação de cuidados de saúde, albergando uma clínica privada.
Atualizado em 15-04-2020